Afirma mestre Vinicius que “pra fazer um samba com beleza / é preciso um bocado de tristeza”. E como tal afirmativa vem acompanhada de uma melodia daquelas que só brotavam do violão maior de Baden Powell, quem é que não vai acreditar? Mas se a tristeza é companheira do samba, deve ser adversária do sambista, pois o mesmo Vinícius, no mesmo “Samba da Bênção”, afirma que “é melhor ser alegre que ser triste”. Então, assim como Garrincha driblava o jogador adversário, o sambista dribla a tristeza, seja transformando-a em samba, seja com a sabedoria instintiva dos simples e bem vividos.
Nara Leão morreu de um tumor no cérebro. Isso sabemos agora. Desde que o problema foi diagnosticado até o desenlace, Nara, com a dignidade absoluta que lhe era peculiar, manteve segredo, nem seus amigos íntimos souberam. O primeiro sintoma, que a fez procurar um neurologista, foi um desmaio que sofreu em pleno banho. Com a queda, ela se feriu levemente, além de levar muito tempo para recuperar plenamente a lucidez. Após os exames, ainda hospitalizada, eis que Nara recebe flores de Vinicius acompanhadas de um bilhete: “Quando você tiver de cair, caia por cima de mim, caia por cima de mim...” O Poetinha citava, lá a seu modo, os versos de “O que é que a baiana tem”, de Caymmi: “Quando você se requebrar, caia por cima de mim, caia por cima de mim”. Impossível que Nara não tenha sorrido com a brincadeira.
Outra história de pessoa acamada envolve Ary Barroso e Antônio Maria. Sempre houve entre os dois uma longa discussão sobre “Ninguém me ama”, o grande sucesso de Antônio Maria, um samba-canção que Ary insistia que tinha de ser classificado como bolero. Indo Antônio Maria visitar Ary Barroso em seu leito de morte no hospital, recebe do paciente um estranho pedido: “Me faz um favor, canta ‘Aquarela do Brasil’.” Emocionado, Antônio Maria canta por inteiro o famoso samba. Ary, então, retruca: “Agora me pede para cantar ‘Ninguém me Ama’.” Intrigado, Antônio Maria faz o pedido. E Ary Barroso, numa vingança derradeira, afirma ao amigo: “Eu não sei.”
descrita acima não se passou no hospital, mas sim nas mesas da Cantina Sorrento, em Copacabana. Mas a versão que eu contei é muito mais saborosa. Aliás, tanto a historinha da Nara quanto a de Ary Barroso eu li nas biografias dos dois que o Sérgio Cabral (o pai, frise-se) escreveu. São livros imperdíveis para quem se interessa por música popular brasileira. E, por falar nisso, cá pra nós, “Ninguém me Ama” é mesmo um tremendo bolero...
João Daltro
4 comentários:
Mto bom!!!
É um prazer saber que existe mais um blog sobre samba.
Grato Artur,
partindo de um outro blogueiro que também gosta de samba, lisonjeia-me muito.
O seu Cantinho também está entre as minhas recomendações de viagens na filosofia do samba.
Abração
Cláudio
Grande Caldas!!!
É isso aí, o samba representa o compasso dos nossos corações.
Saudações!!!
Nilo Dutra
Valeu Nilo pela visita. Volte sempre, meu irmão. Você que sabe muito bem como são as batidas do samba com as de nossos corações.
Um grande abraço!
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